COCKTAIL: a rede social dos gurupienses na década de 90
Por Juliene Lima e Paulo Albuquerque (*)
Segundo semestre de 1989. A cidade de Gurupi recebia novos cidadãos a cada dia, gente que vinha de todos os cantos do País, todos em busca de horizontes novos, trabalho, prosperidade, felicidade. Neste contexto chegaram os jovens advogados Carlos Canrobert Pires e Paulo Albuquerque. Eles instalaram o escritório no edifício San Marino e ali permaneceram à espera dos clientes que não vierem e nem viriam.
Advocacia não dá mole para novatos, recém chegados e pobres. Ainda antes de acabar aquele ano os dois advogados foram apresentados ao médico peruano naturalizado brasileiro, Román Consiglieri Aramburu. Ele estava ‘abrindo’ um jornal e precisava de mão de obra para fazer reportagens e edição.
Como a advocacia estava devagar, Pires e Albuquerque resolveram encarar o desafio. Junto ao Dr. Roman estava o então mais famoso jornalista da cidade: Zacarias Martins. O Jornal do Dr. Román durou pouco, ao final do ano de 1989 parou de circular. Mas Pires e Albuquerque não desistiram da ideia, afinal, vislumbraram naquela atividade um grande potencial.
Em 19 de janeiro de 1990 eles apresentaram à praça a primeira edição do que viria a ser o jornal Cocktail. O extinto jornal do Dr. Román era um tabloidão, quase um jornalão. O Cocktail era um quarto de uma folha de ofício. Nem nome e nem formato de jornal tinha. Ninguém apostaria um centavo que ‘aquilo’ seria algo sério um dia. Mas o improvável às vezes acontece.
CARACTERÍSTICAS INICIAIS
Sem estrutura física ou de pessoal, o projeto contava apenas com o trabalho dos dois sócios e do colaborador Zacarias Martins, que também tinha ficado sem emprego junto ao Dr. Román. O tamanho (reduzido) era para entrar em sintonia com a ideia editorial que tiveram para o ‘jornal’.
“Queríamos algo bem informal, que chegasse junto à juventude, que fosse uma espécie de companhia desejável e inseparável dessa juventude. Até o nome do panfleto foi pensado com esse sentido: traduzir algo agradável, que seduza e vicie”, diz Paulo Albuquerque.
O Cocktail, que pelo tamanho ficou conhecido como ‘jornalzinho’, emplacou porque circulava nos bares da cidade, às sextas-feiras. Não tinha editorias. Sem pautas políticas, sociais, econômicas ou qualquer outro assunto mais sério. O carro chefe do jornalzinho eram os recadinhos. Ora, em uma época em que não havia redes sociais (WhatsApp, Facebook, Instagram), o Cocktail fazia, a seu jeito, esta função. Virou febre na cidade. Garota Cocktail (onde apareciam as ninfetas); Cocktailzinho (para as crianças bem-nascidas); Trilha das Baladas (para quem iria curtir o fim de semana); atrações festivas e recados…muito recados: “NEGÃO DO TÁXI: Sei que você já tem outra, mas saiba que eu estarei sempre te esperando. Assinado: seu amor secreto”. Assim, era um frisson a cada semana esperar por isso.
Em menos de seis meses o jornalzinho iria mudar, acrescentando conteúdos que iriam dar os contornos que precisavam para se transformar em algo mais sério e comprometido com a sociedade em geral.
“Nessa época eu criei a coluna Pinga- Fogo, com notas ácidas sobre personalidades da cidade e do Estado. Eram as primeiras críticas que o Cocktail publicava em suas páginas. Foi um marco, pois a partir dali o jornal nunca mais seria o mesmo”, diz Zacarias Martins.
O Cocktail dessa fase já estava sendo editado num tamanho maior (meia folha de ofício). Aumentava o número de páginas, ganhava uma espécie de editorial a cada semana, mesclando informação com opinião dos dois editores e vez em quando trazia algumas notícias da cidade. O sucesso na circulação ajudou na projeção comercial. Os exemplares eram distribuídos gratuitamente, mas a receita vinha da venda de anúncios, que lotavam as páginas.
“Tudo era feito manualmente. Os espaços publicitários eram feitos em letra decalque e os textos eram digitados em uma máquina de escrever Olivetti elétrica. Cortava os textos com tesoura e colava na página que iria para a gráfica”, informa Zacarias Martins.
Antes do final daquele primeiro ano Carlos Pires, bem mais afeito à advocacia, decidiu deixar o Cocktail. Na época ele tinha sido selecionado para atuar com defensor público, uma carreira que dava seus primeiros passos no Brasil. Paulo seguiu sozinho, com a ajuda de Zacarias Martins. Nessa época o jornal crescia de tamanho novamente, para o que se chama no mundo gráfico de formato quatro. Próximo ao tamanho de uma folha A4. A equipe ganhou um representante comercial e Paulo passou a dedicar-se apenas à produção e edição de notícias.
COCKTAIL PARA UM PÚBLICO ADULTO
Durante a primeira metade da década de 90, o Cocktail se fortaleceu. Governos do estado e do município passaram a destinar uma verba mensal de publicidade e internamente o jornal passava por sérias reformas editoriais. Os recadinhos ocupavam cada vez menos espaço, surgiam colunas especiais sobre esporte (Silvério Filho), política, anúncios classificados etc.
“Deixamos uma parte de nosso público pra trás e ganhamos outro, bem diferente, e que acabou por dar porte intermunicipal ao Cocktail. Quando distribuíamos nossos exemplares em Palmas, sabíamos que ele seria lido por gente importante do governo, por isso precisamos adaptar a linha editorial a esse novo e importante contingente”, informa Paulo.
O jornal, em determinado momento, passou a circular duas vezes na semana. Chegou a ter uma edição semanal só com anúncios classificados, que circulava às terças-feiras. “Durante muitos anos quando se falava em jornal as pessoas falavam Cocktail. Era sinônimo de jornalismo sério”, diz Zacarias.
A VERDADEIRA TRANSFORMAÇÃO
Da segunda metade da década de 90 até a virada do século o jornal Cocktail passou por sua maior transformação. Se somou à equipe o administrador Ricardo Almeida; o fotógrafo Izídio Vieira; o redator e colunista Gil Correia; o poeta e editor Ronaldo Teixeira; o cronista e ombudsman Antônio Roveroni; o redator e colunista de polícia Luiz Cláudio Barbosa; colunistas sociais e de costumes, tais como Ana Maria Pereira, Célio Costa, Júnior, Alba Costa, Claudinei Pireli, Helen Cristini e Elke Pereira; colunistas de agronegócio, Jonair Rocha e Fernando Scotta, entre outros.
Nessa época o Cocktail passou a ser impresso em Brasília, e o formato passou para o tabloide. A quantidade e exemplares saiu dos mil para três mil. “A quantidade de jornais variava conforme o que tínhamos de conteúdo editorial. Matérias mais quentes impulsionavam a circulação”, assegura Paulo. “O jornal era vendido e disputado nas bancas, passou a ter assinantes também. Houve uma época em que o Cocktail tinha próximo de mil assinantes na cidade. Isto envolvia uma logística interessante de entregadores em bicicletas”, informa Zacarias Martins.
A chegada do celular e da internet proporcionou grande parte das transformações vividas pela redação e pessoal que fazia o Cocktail. Encurtavam-se as distâncias; a produção de matérias estava definitivamente facilitada pela possibilidade de pesquisas na rede mundial, que era apenas um esboço do que é hoje, mas que ainda assim oferecia um universo de possibilidades.
“Além disso, passamos a ter o e-mail, as fotos digitais, o scanner, o colorido das páginas, tudo muito mais barato e ágil”, complementa Paulo. Ao final dos anos 90, o Cocktail partiu para seu mais ousado plano à época: a sede e a gráfica próprias. Isto foi possível logo após Paulo adquirir um lote em frente à rodoviária de Gurupi. Paralelamente a isso fez um projeto de financiamento junto ao Banco da Amazônia para adquirir uma máquina offset, uma cortadora de papel e uma gravadora de chapa. O projeto foi aprovado e o recurso saiu no início dos anos 2000, quando já estava construído uma área ao fundo do lote onde já funcionava a redação.
Por mais de ano ficaram juntos a redação, o escritório e as máquinas da gráfica, em um espaço de pouco mais de 40 metros quadrados. “O Cocktail teve destaque nesses anos todos por ser o primeiro jornal de Gurupi a ser impresso em gráfica própria”, assegura Zacarias.
Entre os anos de 2000 e 2001, o Cocktail inaugurava uma redação no mesmo lote. Um prédio de dois pisos, amplo, com recepção, duas salas para escritório e banheiro na parte inferior, e uma ampla redação com sala de reuniões, cozinha e banheiro na parte superior. Apesar da imponência das novas instalações, a fase dourada do Cocktail estava acabando.
A CRISE NO IMPRESSO
A explosão das redes sociais (Orkut), blogues e portais informativos definiu em parte o futuro dos impressos no mundo. Em Gurupi, com o Cocktail, não foi diferente. Gradativamente o público foi sendo atraído para outras mídias. “Devido a fatores, como a chegada de novas tecnologias o jornal passou a circular quinzenal, diminuiu novamente o tamanho para o formato quatro e reduziu a tiragem. Não tem o glamour dos anos anteriores”, reforça Zacarias. Atualmente o Cocktail circula entre assinantes e alguma venda nas bancas.
Zacarias Martins é um dos mais importantes personagens da história não só do Cocktail, mas do jornalismo impresso no Tocantins. Atuou praticamente em todos os jornais impressos que circularam em Gurupi e região: Folha da Cidade, Cocktail, Folha do Tocantins, O Jornal, O Progresso, Cinco de Outubro, A Notícia, Formato Quatro, Gazeta Esportiva do Tocantins, O Regional, dentre outros. Também foi editor executivo de PERFIL, a primeira revista informativa do Tocantins.
“Sobre o impresso, creio que houve (e ainda há) uma concorrência desleal dos programas sensacionalistas de TV. Esses programas se prostituem vendendo mídias a preços irrisórios. Isto contribuiu para que jornais como o Cocktail perdessem espaço. Hoje, bravamente, ainda resiste o impresso, mas não se sabe até quando”, critica Zacarias.
Para ele, que é um jornalista tradicional, a perda de popularidade do impresso muito lhe incomoda, embora esteja a pleno vapor, no alto de seus 61 anos, atuando nas novas mídias. “Sou um camaleão, procuro me adaptar ao ambiente, sempre”, finaliza Zacarias.
Dentre os fundadores do Cocktail, Carlos Canrobert Pires está aposentando como Procurador do Estado e Paulo Albuquerque é professor de Jornalismo na Universidade UnirG. Ainda escreve sua coluna Altos e Baixos, que existe no Cocktail e Cocktailonline. A direção do Cocktail hoje está Vanda Carvalho e Paulo Henrique Lima.
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(*) Texto publicado originalmente na revista-laboratório LEAD, do curso de Jornalismo da Universidade de Gurupi, em dezembro de 2018.